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terça-feira, 9 de dezembro de 2014

MANFRED KLETT – TERRA E COSMO

Fevereiro de 2005, na Conferência de Biodinâmica em Dornach

Terra e Cosmo

Vamos primeiro olhar para o nosso conceito convencional de terra e cosmo. A astronomia e a astrofísica modernas apresentam uma escala que vai de sensata a devastadora. Desde a descoberta da análise espectral por Kirchhoff e Bunsen em 1859, esta polaridade terra cosmo, como ela é vista pelo observador casual, desaparece. A análise espectral criou o fundamento para a única visão aceita atualmente,: que o cosmo é nada mais do que uma continuidade de matéria física. Visto da terra, o cosmo é uma extensão da terra – matéria em variados graus de densidade. Vista do cosmo a terra é um grão de poeira entre muitos outros no universo. Isto quer dizer que não podemos falar de uma polaridade terra-cosmo nesta continuidade de matéria. De qualquer forma, a consciência humana tinha que chegar a este beco sem saída para que o homem, na sua busca individual de conhecimento, chegasse a uma nova abordagem de terra e cosmo.

A consciência humana se desenvolveu desde o tempo dos Mistérios, quando a humanidade se sentia dentro de uma outra polaridade, a polaridade macrocosmo-microcosmo. A Antroposofia dá uma nova visão disto. A idéia do macrocosmo incluía a unidade de céus e terra. Em contraste a isto, o ser humano se sentia como microcosmo que trazia em si mesmo tudo que está contido no macrocosmo. Então, o ser humano é um microcosmo entre o céu e a terra. Ele carrega ambos no seu ser, e através da sua auto-consciência microcósmica pode desenvolver a faculdade de saltar para um conhecimento macrocósmico do mundo. A Ciência Espiritual dá os resultados de tal conhecimento do mundo. Ela mostra como a polaridade terra-cosmo só se desenvolveu no decorrer da evolução humana.

Como agricultores, se colocamos nosso trabalho nesta polaridade cosmos-terra e trabalhamos criativamente com ela, então qual tarefa nos cabe agora e no futuro? Será que somos simplesmente criaturas desta polaridade, como as pedras, plantas e animais, ou podemos ser criadores ao mesmo tempo? Qual é o caminho de criatura a criador? Como podemos nos conscientizar da nossa situação como criadores? Eu gostaria agora de focar nestas perguntas.

Vamos tentar nos aproximar desta polaridade terra-cosmo. Em nenhum lugar podemos ver a terra ou o cosmo por si mesmos; vemos sempre o resultado do entretecer dos dois. A natureza ao nosso redor é cósmica e terrena ao mesmo tempo em todas as suas formas e manifestações. Contudo, o que a terra é, e o que o cosmos é, não é evidente. Mesmo assim, com tudo que a nossa vista apresenta à nossa alma através dos sentidos, podemos perguntar, o que é uma expressão do trabalho do cosmos, e o que é uma expressão do trabalho da terra? Rudolf Steiner chama nossa atenção para esta abordagem no Curso Agrícola. Ele não descreve o cosmo como cosmo e a terra como terra. Ele nos desafia a reconhecer no fenômeno o que aponta em direção a uma ação do cosmos e o que aponta para uma ação da terra. Uma passagem crucial na segunda palestra do Curso Agrícola diz, “isto entretanto, é o ABC para o nosso julgamento no crescimento das plantas. Precisamos sempre ser capazes de dizer, o que na planta é cósmico e o que é terrestre, ou terreno.”
O sol

O peculiar é que nós podemos ter o sentimento mais intenso do puro elemento cósmico quando o sol não está no céu, quando olhamos para o céu à noite, semeado como ele é com estrelas. Então podemos sentir como se estivéssemos removidos da terra. Durante o dia, quando o sol está no firmamento, sentimos que estamos removidos do cosmo e mais intensamente ligados com a terra. O sol nos cega quando olhamos para ele e extingue todo o firmamento estrelado com a sua luz. Ele nos direciona para a terra, e nosso olhar cai especialmente no mundo das plantas. Este está situado bem no meio, entre o âmbito mineral, que tende mais para a terra, e o âmbito animal que carrega o elemento cósmico como sua natureza anímica na terra. Os animais, de acordo com Rudolf Steiner, são hóspedes do cosmos na terra. O reino das plantas, em contraste, revela de uma maneira clara o relacionamento em constante mudança entre as forças cósmicas e terrenas. Isto é demonstrado através do simples exame de uma semente que cai na terra. Suas raízes crescem verticalmente para baixo para a escuridão e para as profundezas da terra, enquanto seu broto cresce verticalmente para cima ao encontro dos raios do sol.

Olhando para as plantas dessa forma, podemos dizer que nada representa o cosmos mais fortemente do que a estrela central, o sol, na sua posição face a face com a terra. Se falamos do cosmos, falamos do sol; no sol tudo se junta, sejam as ações dos planetas (ou estrelas peregrinas, como muito apropriadamente se fala em inglês – “wandering stars” N.T.) ou das estrelas do zodíaco, as estrelas fixas. Se voltamos nossa vista para o mundo das plantas, vemos o relacionamento terra-sol manifesto na sua forma mais pura. Este é o caminho de conhecimento que Zaratustra desenvolveu na Antiga Época Persa, o período no qual a agricultura teve sua origem. Este caminho foi tomado novamente por Rudolf Steiner e apresentado no Curso Agrícola numa forma apropriadada para a consciência da nossa época.

Sabedoria e Amor

O que podemos perceber deste contraste entre o cósmico e o terrestre nesta imagem da planta? Aprendemos como, com cada raio de sol, a sabedoria do cosmo se espalha na imagem da planta que temos defronte dos nossos olhos; isto é acessível à nossa contemplação. Encontramos um mundo que foi sabiamente ordenado por um criador. Goethe o chamou ‘natureza divina’. Nesta sabedoria o cosmo está presente na terra, todas as formas dos seres se originam daí. Esta sabedoria se nos apresenta no mundo das plantas, domina no ambiente mineral e está incorporada no reino animal. Se a tornamos em nossa própria sabedoria interior, nós gradualmente desenvolveremos a faculdade de dar forma às nossas fazendas como organismos bem redondos. Serão organismos nos quais as forças do cosmo e as forças das profundezas da terra se ligam para formar uma unidade que é elevada acima do nível da natureza, àquilo que Rudolf Steiner chama ‘um tipo de individualidade’. Isto é possível porque temos a habilidade de captar esta sabedoria cósmica no nosso pensar; o pensar está ligado à luz, aos céus. Se levamos esta sabedoria que captamos no nosso pensar até à nossa vontade, levamo-la ao nosso trabalho, então esta sabedoria se torna em realizações, realizações terrenas, porque a nossa vontade está ligada às forças das profundezas da terra. Na nossa vontade nós não estamos conscientemente acordados, por isto ela é tão escura. De maneira semelhante a ação terrestre da sílica, do calcário, da argila e do húmus é carregada na escuridão abaixo da terra. Na imagem interior da planta as forças das alturas e aquelas das profundezas penetram-se uma na outra através da luz e da escuridão. Na realidade do trabalho humano algo desta natureza acontece na mútua penetração do pensar e da vontade..

A sabedoria que podemos tomar para nós na terra a partir da observação do cosmo é aprofundada de uma forma jamais sonhada pela antroposofia. Ela decifra o segredo da sabedoria que habita no homem, ela aponta ao homem o caminho para o auto conhecimento e o instrui através deste auto conhecimento, levando-o a entender na maior profundidade a sabedoria cósmica que é derramada no mundo. O Curso de Agricultura nos dá, como fazendeiros, fruticultores e agricultores, este caminho para aprofundarmos o entendimento da conexão plena de sabedoria entre o cosmo e a terra. A Ciência Espiritual antroposófica revela como isto se liga diretamente com o conhecimento que adquirimos ao ver o cosmo a trabalhar na terra. A observação e contemplação destes dois elementos ganha vida em nós como imagens de pensamento, e estas penetram nossa vontade, preenchendo-a de luz e calor. No brilho desta luz nossa consciência abre o caminho para transformar a vontade. A sabedoria que adquirimos da antroposofia não simplesmente põe nossa vontade na direção certa. Ela derrete e remove o egoísmo o auto interesse e as formas escondidas de auto-centrismo  da nossa vontade, que é onde vive nosso ego. A sabedoria que tiramos da antroposofia pode ter um efeito purificador na nossa vontade e trazer luz na nossa parte escura. Pode transformar a vontade no que chamamos de amor espiritual. Aprende-se a trabalhar a partir do amor. Auto interesse, desejo por sucesso e poder, desaparecem no ar.

A inspiração da vontade a partir do conhecimento da atuação cósmica é um aspecto. Do outro lado, o que é feito em amor, a partir das profundezas da vontade, cria uma realidade completamente nova vinda de baixo, algo que jamais esteve ali antes, que só acontece a partir deste ato de amor; é a realidade da sabedoria nascida do amor. Aqui nós tocamos o sacramento da transubstanciação, no qual o ser humano pode progredir de ser criatura a criador a partir dos arduamente conquistados impulsos de liberdade; é aqui que o cosmo pode encontrar seu futuro através do homem, na transformação da sabedoria em amor e do amor em sabedoria.

fonte:  Parte do texto A Fazenda entre a Terra e o Cosmo