Palestra – Ueli Hurter
O que foi construído deve ser legado para o futuro.
O caminho que cada um percorre, a situação maior que se apresenta, além
do que se pode comportar.
Quando se dinamiza o preparado se dá conta que o que está fazendo o
toca. Há o envolvimento da força do ‘fogo’, da vontade, de que “Eu vou fazer”.
Dinamizar o preparado depende da ‘força de vontade’. A partir do entorno (a
natureza) que vem ao encontro da pessoa que realiza uma tarefa.
O que era uma relação com o que está fora tornou-se uma relação com o
que está ‘dentro de mim’; o que vemos como uma relação com o nosso trabalho com
a natureza, o trabalho do sol e o efeito na natureza, como isso atua dentro de
mim? O humano em mim, a humanidade em mim coloca essa pergunta. Mas ninguém no
mundo pode dar essa resposta, ela só pode vir de dentro de cada pessoa.
A pergunta é: como eu posso trabalhar na terra a partir dessa pergunta?
Eu posso dirigir um trator? Posso trabalhar com as vacas tendo esse tipo de
pergunta? Posso, dessa forma, ser um agricultor moderno?
Ser um agricultor biodinâmico é também um caminho interior.
Rudolf Steiner diz que o agricultor é um meditante. É
uma qualidade interior do agricultor. Ele descreve essa situação onde o
agricultor não está fazendo nada, lá fora faz frio e ele sonha. E, quando vem a
primavera, ele sabe o que fazer, e faz isso e aquilo. Isso é um tipo de imagem
tradicional que Steiner menciona.
Vejamos como o trabalho interior funciona, o trabalho interior de um
agricultor ativo e engajado nesse impulso.
A partir destas perguntas, com um caráter religioso, como isso surge
dentro de mim?
Olhando para os fenômenos da natureza percebe-se a qualidade interior
que as plantas e animais podem mostrar.
Exemplo: tenho na fazenda duas vacas e tenho que descartar uma delas.
Tenho que decidir agora, preciso ocupar o lugar com uma vaca nova. Uma decisão,
uma seleção no rebanho, para decidir como me dirijo para o futuro. Tenho que
trabalhar de uma forma analítica: linhagem, forma dos chifres, leite, qualidade
do animal. Neste momento preciso decidir a partir de fatos. Dou uma parada nas
considerações a partir do pensar, por uns três dias, e tomo para dentro de mim,
para o mundo do sono. Em alemão se fala: “Vamos levar isso para a noite”.
Quando saímos do sono, da não consciência, se manifesta para nós qual a direção
tomar, qual a decisão. Então, posso tomar esse âmbito e juntar com o que havia
trabalhado de forma analítica sobre o rebanho e tomar a decisão que interessa.
Posso trabalhar de forma retrospectiva, ou de um caminho meditativo pessoal,
enfim, estar atendo ao que se manifesta para mim.
O fato de ter esse caminho de desenvolvimento pessoal, como um homem
moderno, o que me leva para frente?
O que deve acontecer é não ter uma separação entre esse homem moderno e
o agricultor à moda antiga, eles devem andar juntos.
Aqui estou eu com o meu ‘eu cotidiano’, o ‘pequeno eu’ e a
realidade que me envolve (desenho).
Estar separado da realidade é comum ao ser humano moderno. As coisas
seguem o seu caminho.
As realidades se mostram para mim, e de vez em quando há um chamado: o
que devo fazer?
Eu recebo esse chamado e, de forma tranquila, rejeito esse apelo que me
vem. Eu não deixo a minha zona de conforto. “Não me incomode, estou ocupado,
estou cheio de trabalho”; todos conhecem isso. Desse jeito não haverá nenhuma
transformação, pois o que vem para nós mandamos de volta.
Podemos até tentar mudar mas, de certa forma, é sempre a repetição da
mesma coisa.
Talvez possam recordar-se de quando descobriram a biodinâmica, talvez
fossem um agricultor ou pesquisador convencional e veio essa pergunta; sentiu
aquilo meio estranho; a pergunta se repetiu e você resolveu continuar da mesma
forma. Às vezes esse chamado vem para nós e a gente interioriza esse chamado.
Temos o mundo exterior e o mundo interior. Numa situação especial, quando
permito que isso adentre o meu interior surge algo. Tenho esse momento em que
minha alma recebe isso e me incomoda, provoca. Então entro em contato com o EU.
Como esse EU pode lidar com esse chamado que se apresenta?
Como nesse momento a voz interior que se manifesta pode se conectar com
esse chamado?
Posso ter uma espécie de inspiração que vem para mim e percebo que está
certo, que esse impulso é correto.
Mas frequentemente esqueço isso. O cotidiano nos atrapalha e a gente
perde a voz que vem de dentro.
A gente pode ter a oportunidade de que estas inspirações que balançam a
vida sejam levadas e provoquem alterações, gerem uma nova realidade a partir da
vida interior, então começo a falar para as pessoas em volta: “Você entende isso?”
Porém, os outros não têm essa realidade interior minha e não sou compreendido.
A partir da minha convicção e impulso levo isso para o mundo exterior,
vou ter muito trabalho, mas levo isso para a realidade.
E quando então eu consigo levar isso para a realidade eu fiz uma
transformação, para uma REALIDADE, maiúscula.
O caminho não é tão curto, tem que tomar para dentro de si, fazer o
caminho interior e depois levá-lo para fora.
Podemos trabalhar a partir do que se manifesta para nós no mundo
vegetal, animal.
As grandes transformações só serão sustentáveis se fizerem esse caminho.
No trabalho contra os transgênicos, por exemplo, se trabalharmos como
uma situação exterior, nada acontecerá. Cada um deverá realizar esse caminho em
seu interior e tornar-se tolerante para, no conjunto, desenvolver algo.
O essencial do trabalho biodinâmico é uma ‘atitude interior’
Normalmente quando somos perguntados sobre o que é essencial na
biodinâmica falamos dos preparados, das constelações, dos animais, do que
precisa ser feito. Temos o sentimento de que o que estamos dizendo é uma parte
da realidade, mas temos algo que está em nosso interior e sabemos disso.
Qual a minha relação com o que foi lido de manhã? (texto do Manfred)
Formula o que pode ser um ponto central para esta temática:
Honestidade: é a primeira qualidade. Que eu tente tomar seriamente o que é
oferecido pelo meu ambiente de trabalho. Eu tento profundamente conhecer como é
o meu solo, meu clima, as condições que tenho, de forma muito séria conhecer o
meu ambiente de trabalho. Não é a questão de ser ‘sério’ e trocar os
fertilizantes, mas o tipo de honestidade de se confrontar com o que tem e
aceitar.
Essa honestidade vai me levar a conhecer a identidade do meu local de
trabalho, do meu produto. Quem trabalha com vinho, pode-se obter um alto preço
quando ele tem uma identidade. Essa honestidade a gente descobre quando se
dirige, olha, vê e reconhece a identidade.
Abertura: a planta nos mostra como ela está aberta e ligada à situação que está
acontecendo agora. E então a gente pode desenvolver a atitude de que tudo que
está no entorno pode estar em evolução. Não tem um ponto final se não fazemos
alguma coisa, as coisas podem ser colocadas em movimento, em evolução. Deixamos
um solo para as próximas gerações poderem trabalhar. Para que as plantas com as
quais trabalhamos não cheguem a um ponto de morte, que as sementes que deixamos
tenham um caminho para o futuro.
Cooperação: a gente pode descobrir que as coisas não estão separadas, estão
interconectadas e que o conceito de competição - que saiu da biologia e foi
para o mundo econômico - é uma mentira; aprendemos isso dos animais. Os seres
desenvolvem algum tipo de cooperação, na forma que interagem entre si, são
criadores de relações, são ‘criativos’ no ambiente. As abelhas juntam aquilo
que está separado na paisagem através do seu trabalho. São as ‘criadoras de
relações’.
Solidariedade: se manifesta quando criamos no ambiente de trabalho as relações de
solidariedade. Não somente no nosso local de trabalho, mas a partir do nosso
local de trabalho. Vem a pergunta, qual a nossa tarefa, qual a contribuição
nossa, que não pode vir da natureza?
Iniciativa: trazer algo que não existia antes. A partir da nossa liberdade
potencial, trazer o novo a partir da atitude interior. Só nós podemos trazer
iniciativas, ‘nenhuma vaca trará iniciativas para a nossa fazenda’. Cultivar a
natureza.
Responsabilidade: lembrando da corrente de Caim: podemos trazer
destruição ou cultura para o mundo. Levar para baixo, enterrar mais, ou elevar
do nível em que se encontra. Isso é o que carregamos como nossa responsabilidade.
Estar na situação em que aceitemos a consequência dos nossos atos. Liberdade e
responsabilidade são qualidades que provêm do impulso de Michael.
fonte. http://biodinamica.org.br/